Chi Kung – exercícios para cultivar a energia vital

Na medicina chinesa, há cinco pilares, dentre os quais, os exercícios terapêuticos chineses. Traduzido como cultivo da energia (chi ou qì), o Chi Kung lida com o trabalho do chi dentro do nosso corpo. O que seria o chi, a energia vital?

O ch’i (qì), a energia vital

O Chi ou energia vital está presente em todas as nossas células, órgãos, centros energéticos, canais e meridianos de energia, nos pontos vitais… Em todo o nosso corpo, temos essa energia vital circulando e nutrindo internamente. Sem uma boa qualidade de energia, a pessoa se torna enfraquecida e sem vitalidade. Da mesma forma que um automóvel necessita de combustível, o nosso organismo depende do chi, a energia vital. Sem energia vital, o nosso organismo não funciona, a nossa mente não funciona. Em outras palavras, sem energia vital, não há vida.

Um princípio importante da medicina chinesa é que o nosso corpo precisa estar vitalizado: precisa ter a circulação adequada de energia. Pouca energia é prejudicial para a nossa saúde, mas o excesso de energia também. Com o Chi Kung, nós aprendemos a captar a energia da natureza e a circular internamente em nosso corpo.

A tríade do treinamento

Através da respiração, captamos energia; através dos movimentos suaves, promovemos sua circulação internamente; através da mentalização, nós direcionamos a nossa energia. A prática envolve captar energia, circular da forma adequada e, também, coletar e armazenar essa energia. Não adianta só captarmos, circularmos e, depois, a energia ir embora; também temos que saber como preservar dentro do corpo.

O chi (qì) em nosso corpo

Temos vários órgãos internos e cada um tem o seu papel específico. Cada um trabalha a energia de uma forma particular. Os pulmões, por exemplo, recebem a energia do ar. Essa energia não deve ficar retesada na parte superior do tórax, ela deve descer e nutrir interiormente. Então, o movimento natural e saudável do pulmão é o movimento de descida. Enquanto a energia no pulmão deve descer, o trabalho dos rins é fazer com que a energia mais refinada suba e que a energia mais turva, a energia que deve ser eliminada, desça. Se esse fluxo estiver desordenado, então os órgãos não vão trabalhar da forma adequada.

Assim, através dos exercícios de Chi Kung, trabalhamos nossas funções energéticas fundamentais: (1) o suprimento adequado de energia – termos energia suficiente dentro do nosso corpo; (2) a circulação adequada de energia e (3) o armazenamento de energia.

Com esse trabalho integrado do Chi Kung, com movimentos suaves, nós criamos internamente um ambiente propício para a energia fluir da forma adequada. O excesso de calor dentro do nosso corpo é prejudicial; excesso de frio também. O ambiente morno é um ambiente onde a energia vai circular de uma forma adequada. Nessas condições favoráveis, as funções do nosso corpo de circulação, de ingestão, de eliminação vão estar em seu funcionamento pleno e regular.

A prática

Sendo o Chi Kung uma prática milenar, nós temos exercícios bastante variados. Muitos deles têm grande influência nas articulações e nos tendões, garantindo boa mobilidade. São áreas de movimento onde existe grande fluxo de energia e, igualmente, um local onde a energia pode estagnar. Devemos trabalhar para que essas articulações, esses canais, músculos e os tendões estejam desobstruídos pra que a energia possa circular corretamente.

Temos outros exercícios que trabalham o movimento em um nível mais sutil, aprofundando-se nos meridianos de energia e ativando os centros energéticos. Práticas mais internas ainda, priorizam o aspecto mental, uma vez que a nossa mente guia a nossa energia. Para termos o domínio completo da energia do nosso corpo, devemos primeiro equilibrar a nossa mente. Temos treinamentos mais específicos para trabalhar isso, como algumas práticas de meditação que ajudam na circulação da nossa energia vital ao direcionarmos a nossa atenção para alguns pontos e regiões do corpo onde a energia começa a ser concentrada. Vamos de ponto a ponto, local por local, fazendo com que a circulação ocorra de modo que todo o corpo esteja plenamente nutrido de energia.

O Chi Kung tem esse princípio terapêutico dentro da medicina chinesa que visa a saúde especificamente, mas também, o chi kung pode ser utilizado no contexto marcial. Nesse contexto da arte marcial, serve para fortalecer a estrutura física do nosso corpo. Por exemplo, a técnica de chi kung de camisa de ferro fortalece o corpo de tal forma que a musculatura se torna mais forte, a parte superficial do nosso corpo, a nossa pele se torna mais resistente e, dessa forma, se o praticante receber golpes e pancadas, terá uma boa resistência.

Apesar de ser algo bem interessante, eu sempre enfatizo que o aspecto mais importante do chi kung é o treinamento para a saúde e o desenvolvimento espiritual. Sendo um trabalho sutil, um trabalho da nossa energia interna, dependemos de uma boa condição mental. Portanto, é preciso aprender a acalmar, a serenar a nossa mente, para depois aprendermos a guiar a nossa energia em seu fluxo interno. Dessa forma, nós vamos moldando o nosso caráter, vamos tendo uma disciplina interna que vai repercutindo em nosso bem estar, na nossa vida de forma geral. O chi kung começa a fazer parte do nosso caminho de vida. Nessa fase, não se pratica o chi kung isoladamente, somente no período de treino – ele se torna parte integrante da nossa vida.

Dentro da estrutura de uma aula, o treinamento do Chi Kung pode fazer parte de uma aula de Tai Chi, por exemplo. A maior parte da aula de Tai Chi Chuan é dedicada a esse treinamento de energia vital, ao cultivo do chi, o Chi Kung. Os exercícios básicos, sejam em posturas fixas, sejam movimentos mais sutis, movimentos que tenham relação com a espiral do Tai Chi Chuan, tudo isso envolve o Chi Kung. Há uma ampla variedade de sequências com finalidades um pouco distintas.

Uma vez que o ar é carregado de energia (chi), no Chi Kung, a respiração potencializa a circulação interna dessa energia. Trabalhamos também a movimentação através de gestos bem soltos, relaxados, abrindo os nossos canais para a passagem da energia. Também trabalha-se a atitude mental adequada para mobilizarmos de uma forma disciplinada, através de foco mental, o fluxo interno do chi.

Todo o propósito do Chi Kung envolve, então, a harmonia interna, o equilíbrio das nossas energias no aspecto Yin Yang – no aspecto da inatividade, da quietude, do recolhimento e no aspecto da abertura, da expansão e do movimento. Yin Yang em constante harmonia. Nunca fixamos um dos polos, ao contrário, aprendemos a transitar. Dessa forma, os movimentos do Chi Kung também têm essa característica sempre presente: o movimento de abertura e de fechamento, assim como o Tai Chi. Abre e fecha, Yin Yang sempre presentes na prática.

Para a prática segura do Chi Kung, o ideal é que pratiquemos com um professor especializado. Por ser um treinamento interno que envolve o trabalho de energia, se for mal direcionado, acaba podendo prejudicar o nosso corpo, o nosso funcionamento interno. Portanto, uma prática supervisionada, principalmente quando a pessoa está no começo de seu desenvolvimento, é bastante prudente. Especialmente no treinamento marcial do Chi Kung, a supervisão é altamente recomendada.

O treinamento traz maior benefício se a atitude do Chi Kung for incorporada pelo praticante. Basicamente, envolve respeitar os ciclos internos do nosso organismo. Alimentar-se da forma adequada, nunca indo até o topo, até o máximo que você consegue comer. O repouso adequado, nunca se excedendo nas suas atividades. Os mestres nos ensinam a nunca chegar até o ponto de exaustão, pois com isso, a nossa energia vai se exaurindo.

Precisamos ter noção de como trabalhar a nossa energia, como cuidar, como preservar aquilo que é um bem tão precioso, que pode se tornar um medicamento interno e uma fonte interna para a nossa saúde. O bom cultivo do chi envolve cuidarmos bem do nosso corpo, cuidarmos bem da nossa mente, mantermos o equilíbrio entre repouso e atividade em tudo o que fizermos.

Marco Moura